Monteiro Lobato e as questões ambientais

“Lá na linha do horizonte, onde o imenso cafezal encobria a paisagem como manta escura, fundindo-se com o infinito, um menino brincava de distinguir o fim do universo. Povoada de personagens fantásticos, sua imaginação alçava voo […].” (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1997, p. 27).

No início do século XX, deixando para trás a vida nos campos verdejantes de Taubaté, interior do estado de São Paulo, o jovem Monteiro Lobato foi estudar Direito na capital. Na viagem em direção à sua vida universitária, levou consigo lembranças da infância impregnada do cheiro de terra e de intensa vocação literária.

Tornou-se intelectual extremamente crítico, e sua determinação seria atributo marcante, tanto que, ao longo dos anos, lutou corajosamente para fazer prevalecer suas ideias. Foi homem de amplas atividades: promotor público, empresário, jornalista militante, escritor político, editor de livros inéditos, tradutor, agitador cultural, ideólogo da indústria do livro no Brasil... e fazendeiro.

Sim! Lobato foi também fazendeiro! Em 1911, aos 29 anos, insatisfeito com a vida que levava e com os negócios que não prosperavam, resolveu retornar às origens e dedicar-se ao cultivo de lavoura e à criação de animais, uma vez que herdara de seu avô a Fazenda Buquira, no Vale do Paraíba. Nesta ligação com o campo é que se destacou como defensor do meio ambiente e das reservas nacionais.

Embasado nas observações e experiências como fazendeiro, Monteiro passou a transportar para a literatura as suas insatisfações, inquietações e desgostos com relação à degradação dos recursos naturais pelo homem do campo, por meio de eloquência cítrica, encharcada de sarcasmo e ironia.

Nos seis anos em que viveu na Fazenda Buquira, Lobato pôde vivenciar a miséria da população rural e encontrou ali inspiração para escrever seus contos, os quais destoavam da literatura escrita pelos românticos, que retratavam o Brasil sob o prisma dos costumes europeus.

A partir de 1914, foi enviando aos jornais o que tinha em sua gaveta e novos contos e artigos, e o público se foi habituando a admirar o seu estilo fácil, simples, claro, muito diferente do dos escritores que colaboravam nos folhetins da época. De acordo com Lajolo (2000), datam daí diversos artigos publicados em revistas e mais tarde enfeixados no livro de contos de 1918, nominado Urupês, considerado a obra-prima de Lobato e um clássico da literatura brasileira.

Destarte, o primeiro texto publicado por ele já enfatizava a temática da preservação ambiental. Irritado com as queimadas dos caboclos na Serra da Mantiqueira, que destruíam os capões próximos de sua fazenda, Lobato enviou à seção ‘Queixas e reclamações’ do jornal O Estado de São Paulo uma carta de protesto intitulada ‘Velha praga’, a qual foi inteligentemente publicada como artigo em 12 de novembro de 1914, devido à qualidade do texto.

Na obra Diário da noite iluminada, Montello (1994, p. 309) transcreveu parte da supracitada carta:
 
Preocupa a nossa gente civilizada o conhecer em quanto fica na Europa, por dia, em francos e cêntimos, um soldado em guerra, mas ninguém cuida de calcular os prejuízos de toda sorte advindos de uma assombrosa queimada destas [árvores]. As velhas camadas de húmus destruídas; os sais preciosos que, breve, as enxurradas deitarão fora, rio abaixo, via oceano; o rejuvenescimento florestal do solo paralisado e retrogradado; a destruição das aves silvestres e o possível advento de pragas insetiformes; a alteração para peor [sic] do clima com a agravação crescente das secas; os vedos e aramados perdidos; o gado morto ou depreciado pela falta de pastos; as cento e uma particularidades que dizem respeito a esta ou aquela zona e, dentro delas, a esta ou aquela “situação” agrícola.

Observa-se que o teor e o tom da carta escrita por Lobato também manifestam seu engajamento na discussão de questões ambientais em torno da biodiversidade, as quais se revelariam cada vez mais presentes nos debates da sociedade mundial apenas na década de 1970, sobretudo, a partir de 5 de junho de 1972, data em que a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu conferência internacional em que a pauta principal abordava a ação do homem sobre o meio ambiente e a consequente perda da diversidade biológica.

Na obra lobatiana, são recorrentes as passagens que revelem preocupação com os ecossistemas e as ações para conservação da diversificação ambiental, sobretudo o apontamento das áreas rurais e urbanas como consequências da alteração humana no espaço. Destacam-se escritos como Bucólica (do livro Urupês), A nossa doença (de Conferências, artigos e crônicas), As grandes possibilidades dos países quentes (de O problema vital), A mata virgem, Mr. Deibler e Zago (de Ideias de Jeca Tatu), além dos livros A onda verde, Reforma da Natureza e A chave do tamanho.

Em suas obras, tanto de literatura infantil quanto de literatura adulta, procurou exaltar a inter-relação da flora regional com aspectos individuais, o contraste entre esplendor da natureza e dramas humanos, além da supervalorização da natureza selvagem em detrimento do que é humano e urbano.

Por meio do instrumento mais poderoso que tinha nas mãos - a literatura -, Lobato constituiu-se enunciador dos males causados à natureza, do descaso das autoridades para com os “Jecas” do interior brasileiro, e dos males que a humanidade sofria e poderia sofrer pelos estragos provenientes do progresso.

Personalidade de múltiplas facetas, ao procurar associar vocação artístico-literária com questões ambientais, Monteiro Lobato ampliou os horizontes de seu tempo. Consequentemente, a literatura lobatiana continua “sob medida” à luz dos recentes debates empreendidos na sociedade brasileira a respeito da temática ambiental!

Paulo Henrique Machado


REFERÊNCIAS

AZEVEDO, C. L. de; CAMARGOS, M.; SACCHETTA, V. Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia. São Paulo: SENAC, 1997.

LAJOLO, M. Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. São Paulo: Moderna, 2000.

MONTELLO, J. Diário da noite iluminada: 1977-1985. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

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